Viajo Sozinha, Viajamos Juntas.

Sobre ser mulher pelo mundo.

Lorena Azeredo Germano
4 min readJun 18, 2016

Começo esse blog escrevendo sobre um assunto que já pretendia tratar há bastante tempo, mas motivada por algo que me parte o coração.

Queria escrever sobre viajar sozinha sendo mulher, mas não tinha certeza de como abordar uma questão que deveria ser bem mais simples, mas acaba sendo ampla e complexa considerando todas as providências que precisamos tomar para tentar garantir que, mesmo durante uma jornada de aventura e descobertas, tenhamos o mínimo de conforto e segurança.

Pensei em discorrer dicas e mais dicas, passadas pela minha mãe e outras mulheres, ou que fui aprendendo na prática — e que eu não devo deixar de praticar, afinal sobrevivência é uma questão básica — mas acho que podemos enriquecer essa discussão simplesmente questionando a origem das tais dicas: Por que a lista de recomendações de segurança às vezes é mais longa do que as recomendações de pontos a visitar?

Por que, mesmo viajando e exercendo minha liberdade e direito de ir e vir, eu sigo presa a uma vulnerabilidade imposta a mim, pela minha condição de mulher? Por que as pessoas consideram que sou eu quem estou colocando minha segurança em risco quando viajo sozinha? Por que, se algo acontecer, vão logo apontar o que EU deveria ou não ter feito? E uma questão ainda mais delicada: se eu, sozinha, não estou segura, por que quando viajo com uma amiga (ou mesmo duas, três amigas), continuamos todas em risco, já que viajamos “sozinhas”?

Contando um pouco da minha experiência pessoal, nunca nada me aconteceu, mas já corri alguns riscos (como andar sozinha num táxi em que, mais tarde eu soube, o motorista já havia feito caminhos mais longos, em lugares desertos e se masturbado no carro, na frente de passageiras, mais de uma vez; ou me hospedar em um hostel e dividir o quarto para 4 pessoas com apenas 1 hóspede, que era homem). E devo continuar correndo e continuar me protegendo, pois não pretendo jamais deixar de viajar sozinha.

No entanto, é importante que isso seja discutido. Mesmo em um momento de lazer, seguimos em estado de alerta e, ainda que se tome todas as precauções, a segurança não é garantida. Infelizmente, algumas viajantes não têm a chance de voltar para a casa.

No último dia 22, duas amigas de Mendoza, Argentina, que viajavam juntas pelo Equador, desapareceram na cidade de Montañita. Marina Menegazzo, de 21 anos, e María José Coni, de 22, foram encontradas mortas alguns dias depois, em 28 de fevereiro. Segundo os suspeitos do caso, o feminicídio aconteceu após as duas reagirem a uma tentativa de abuso sexual.

Após a tragédia, seus nomes ainda foram relacionados com culpabilização da vítima, fragilizando-as. Ambas foram consideradas “facilitadoras” do ocorrido, simplesmente por “viajarem sozinhas”. Mas eram duas, uma companhia da outra, viajavam JUNTAS. Não faltava nada nem ninguém ali.

Ainda que na companhia de amigas, sentimos medo, é inseguro viajar, pegar táxi, caminhar à noite, explorar cidades desconhecidas ou mesmo andar por áreas das cidades onde moramos ou fomos criadas.

“Elas estavam sozinhas”, dizem os jornais. Como é que duas pessoas juntas estão sozinhas? Não, Marina e María não estavam sozinhas, mas ter uma a outra não é suficiente para dar conta do desamparo de ser mulher. Viagens são perigosas demais para nós, ao Equador ou à padaria. — Letícia Bahia, Revista AzMina

Ou seja, perto ou longe de casa, a mulher que ocupa o espaço público está sob ameaças, com o medo muitas vezes definindo nossos horários e rotas, tomando de nós pequenas liberdades.

Viajar sozinha é um momento especial, em que nos sentimos empoderadas, aprendemos sobre confiança (em nós mesmas e em estranhos), voltamos pra casa nos conhecendo muito melhor e com histórias fantásticas que são só nossas.

Quando viajamos sozinhas, ou juntas, nossa intenção não é facilitar nenhum estupro seguido de assassinato. Nós queremos sentir aquela brisa, queremos experimentar o novo e crescer. Queremos ser boa companhia para nós mesmas, companhia boa — e suficiente — para nossa amiga. Queremos ir e queremos voltar. E viver.

Para ampliar a reflexão, sugiro a leitura deste artigo de Ana Freitas para o Nexo Jornal, que me inspirou a querer falar um pouco a respeito.

Recomendo também a leitura da carta que a paraguaia Guadalupe Acosta escreveu, assumindo a perspectiva das mulheres argentinas. A carta foi traduzida para português pelo El País.

Imagem: Marina e Maria José | Reprodução: Minuto Ya.

[Texto publicado originalmente no She Sent Postcards, em 08/03/2016]

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